Crise na saúde de Ananindeua e os pagamentos milionários ao Hospital Santa Maria

Mais de R$ 103 milhões foram pagos pela Prefeitura de Ananindeua ao Hospital Santa Maria, desde janeiro de 2021 até 8 de maio de 2025. Os valores estão disponíveis no Portal da Transparência e foram atualizados com base no IPCA do mês ado. Enquanto o Santa Maria recebe rees volumosos, outros hospitais e clínicas da cidade enfrentam dificuldades extremas, com atrasos nos pagamentos, fechamento de unidades e risco de falência. Até agora, dois hospitais já fecharam as portas e outro quase foi à falência. A crise também ameaça pelo menos uma clínica de hemodiálise, levando a protestos de pacientes.

Moradores recorrem a Belém e sobrecarregam hospitais

Com a precariedade da rede hospitalar local, os moradores de Ananindeua buscam cada vez mais atendimento em hospitais de Belém e do Governo do Estado. Em dois anos, houve um aumento de 88% nos atendimentos ambulatoriais e hospitalares a pacientes vindos de Ananindeua. Dados do Sistema de Informações Ambulatoriais e Hospitalares (SIA/SIH) do Ministério da Saúde apontam que os atendimentos subiram de 196.225 no primeiro trimestre de 2023 para 368.518 no mesmo período de 2024. Esse aumento expressivo sobrecarrega os hospitais de Belém e coloca em risco milhares de pacientes da Região Metropolitana.

Indícios de favorecimento e prejuízo à concorrência

O Ministério Público do Pará (MPPA) aponta indícios de que o caos nos hospitais de Ananindeua seria uma estratégia para “eliminar a concorrência” em favor do Hospital Santa Maria. Entre 2021 e 2024, o Sistema Único de Saúde (SUS) reou quase R$ 1 bilhão para a Prefeitura, mais da metade destinada aos serviços hospitalares e ambulatoriais. Mesmo assim, hospitais e clínicas locais ficaram sem pagamento, enfrentando atrasos de até 6 meses ou mais.

Em 2023, o Hospital de Clínicas de Ananindeua (HCA) quase faliu devido aos calotes. Em janeiro de 2024, o Hospital Anita Gerosa, única maternidade 24h da cidade, encerrou suas atividades. A crise também ameaça o Centro de Hemodiálise Ari Gonçalves (CEHMO), enquanto uma clínica de hemodiálise do Santa Maria continua operando sem dificuldades. Até o final do ano ado, a Prefeitura devia cerca de R$ 13 milhões ao HCA, Anita Gerosa e CEHMO, mesmo recebendo em média R$ 21 milhões mensais do SUS e tendo pago mais de R$ 22 milhões ao Santa Maria só em 2024.

Ree milionário ao Hospital Santa Maria (2021 – 2025):

            •          2021: R$ 17.417.507,45

            •          2022: R$ 25.871.198,06

            •          2023: R$ 29.519.786,14

            •          2024: R$ 22.084.260,03

            •          2025 (até 08/05): R$ 8.441.403,23

            •          Total: R$ 103.334.154,91

Calote no CEHMO e favorecimento à Nefro Saúde

Em janeiro deste ano, o Ministério da Saúde solicitou explicações da Secretaria Municipal de Saúde de Ananindeua (Sesau) sobre uma dívida superior a R$ 2,6 milhões com o CEHMO. O Ministério afirmou que os recursos do SUS foram reados regularmente, não havendo justificativa para a dívida. Mesmo com os rees garantidos, os pagamentos ao CEHMO ficaram mais de um ano em atraso.

Enquanto isso, documentos mostram que a Prefeitura recebeu cerca de R$ 27 milhões do SUS para pagar três clínicas de hemodiálise: CEHMO, DaVita e Nefro Saúde. No entanto, os rees ao CEHMO caíram drasticamente. Entre 2021 e 2023, o valor médio anual era de R$ 7,2 milhões, mas despencou para R$ 1,3 milhão em 2024.

Já a Nefro Saúde, que pertence à esposa de um ex-sócio do prefeito Daniel Santos no Santa Maria, recebeu mais de R$ 4,4 milhões em 2024. O contrato com a clínica foi firmado em abril de 2023, mas os pagamentos só aumentaram expressivamente no ano ado, após a transferência de vários pacientes do CEHMO para lá. Esse fato coincidiu com o bloqueio dos bens do Santa Maria e do empresário Elton dos Anjos Brandão, após operação do MPPA que desarticulou um esquema de desvio de R$ 261 milhões do Iasep.

Pedido de intervenção na Saúde de Ananindeua

Em 18 de fevereiro de 2024, o então Procurador Geral de Justiça (PGJ), César Mattar, ajuizou uma Representação Interventiva solicitando que a Justiça determinasse intervenção na Saúde de Ananindeua pelo Governo do Estado. Segundo ele, a gestão municipal enfrenta uma crise “sem precedentes”, com prejuízos não apenas para Ananindeua, mas para toda a Região Metropolitana.

A Representação afirma que a Prefeitura pratica uma gestão “temerária”, com “atrasos sistemáticos” nos pagamentos aos hospitais, levando ao fechamento de unidades e ao colapso do atendimento pelo SUS. O documento compara a prática ao “dumping”, estratégia de eliminação de concorrência por meio de práticas desleais.

De acordo com César Mattar, hospitais e clínicas estão “à beira da ruína econômica” pela falta de pagamento dos serviços prestados, enquanto o Santa Maria, “de propriedade do gestor municipal até 2022”, expande sua participação nos recursos públicos da saúde.

Hospitais fechados e crise instalada

O primeiro hospital a encerrar as atividades durante a gestão do prefeito Daniel Santos foi o Camilo Salgado, no bairro do Coqueiro, desapropriado em 2021 para a construção do Pronto Socorro Municipal. A indenização, de R$ 14 milhões, deveria ter sido paga integralmente em 2022, mas os pagamentos atrasaram por até 6 meses. Em dezembro de 2023, com a suspensão dos pagamentos, a Prefeitura ainda devia R$ 4 milhões aos donos do hospital. Em março de 2024, os proprietários entraram na Justiça para tentar receber o valor, afirmando que o calote impediu a reabertura do hospital em outro local.